26 de set. de 2009

Belo Monte - ainda falta muito a ver

por Washington Novaes


Certamente ainda haverá tempestades no caminho do licenciamento e da
implantação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, que o
ministro do Meio Ambiente anunciou que "provavelmente" receberá
licença provisória do Ibama em novembro e, pelos cálculos oficiais,
deverá estar concluída até 2014, ao custo estimado de R$ 16 bilhões
(Estado, 23/9). Será a terceira maior hidrelétrica no mundo, com obras
de escavação de terras (150 milhões de m3) e de rochas (60 milhões de
m3) em volume superior ao do Canal do Panamá. Sua potência nominal
será de 11,2 mil MW nos períodos de vazão mais favorável e de menos de
1 mil MW nos mais desfavoráveis. Com isso, a chamada "energia firme"
será de 4 mil MW. Na média, seriam 4,5 mil MW.

O Ministério Público Federal, apoiado pela OAB e outras instituições,
já anunciou o ajuizamento de pedido para anulação das audiências
públicas realizadas, com o argumento de que a manifestação da
sociedade quanto aos impactos sobre 80 mil pessoas em 66 municípios
foi dificultada - além da falta de previsão para compensação de
dezenas de milhares de famílias atingidas, a "superestimação da
energia e dos empregos gerados na obra" e a não-avaliação das
consequências na floresta da provável secagem da água num dos canais.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) - dizem os jornais - pedirá a
revisão dos estudos e pronunciamento do Congresso, por entender que
não foram suficientemente avaliados os impactos em nove terras
indígenas.

O coordenador de um painel de 38 especialistas que analisaram o estudo
de impacto ambiental, professor Francisco Hernandes, da USP, diz que o
documento também subestima as consequências da migração de quase 100
mil pessoas para a área, atraídas pelas obras. A seu ver, o custo da
obra deveria incluir o das infraestruturas urbanas necessárias para
atender a esse contingente - mas não inclui; e isso deveria ser
computado no custo do kW/hora a ser produzido (Folha de S.Paulo,
20/9). Da mesma forma, não se avalia o que significará que quase 18
mil das 18.700 pessoas a serem contratadas para a obra serão
dispensadas no final. Nem se considera que com o seccionamento de
igarapés será fortemente afetada a pesca, da qual dependem 72,9% dos
moradores de Volta Grande.

Não é um problema diferente do que já surgiu em outros projetos de
hidrelétricas na Amazônia, desde a de Tucuruí, na década de 80. Sobre
essa, lembra o professor Maurílio de Abreu Monteiro, da Universidade
Federal do Pará, no número 53 da revista Estudos Avançados, da USP,
que o orçamento de US$ 2,1 bilhões chegou ao final a US$ 7,5 bilhões,
sem incluir o custo das linhas de transmissão, rede viária, sistema
portuário, etc. E como a energia para os grandes usuários (produtoras
e exportadoras de alumínio e ferro gusa) foi subsidiada (em mais de
50%), o primeiro contrato gerou para a Eletronorte prejuízos (há quem
diga que foram US$ 4 bilhões, repassados para as contas de energia de
todos os usuários no País; no segundo contrato o subsídio foi
ligeiramente reduzido). E ainda sem falar no consumo de 5 milhões de
toneladas de carvão vegetal para produzir até 2004 quase 5 milhões de
toneladas de ferro-gusa.

E ainda não é essa a parte mais contundente de estudos sobre Belo
Monte. O Boletim Regional, Urbano e Ambiental, do Ipea (julho de
2009), que pertence à Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, traz análise que considera extremamente
problemáticos projetos como esse, examinados sob o ângulo da
sustentabilidade da produção de alumínio primário na Amazônia. É uma
análise do coordenador de Meio Ambiente e do Fórum do Ipea de Mudanças
Climáticas, José Aroudo Mota, e da pesquisadora Dumara Regina Mota, do
Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB. Para eles, a produção do
alumínio, "atividade intensiva em recursos naturais e de grande
impacto ambiental", além de "intensiva em capital e tecnologia",
associada ao comércio internacional, "ainda não se demonstrou capaz de
contribuir para a redução das desigualdades sociais e regionais, que
colocam os índices de desenvolvimento humano da região abaixo dos
índices nacionais". Mais ainda: essa atividade precisa "internalizar"
os impactos sociais e ambientais de sua exploração.

Será difícil para os governos federal e estadual ignorar esse
diagnóstico, no qual está dito que a indústria dos eletrointensivos,
"controlada por um pequeno número de grandes corporações", desde a
transformação do minério até os produtos finais, forma também um
"cartel de exportação" que "controla igualmente os preços e mercados".
E isso está presente no aproveitamento da terceira maior reserva
mundial de bauxita, na Amazônia. Mas a implantação do polo exportador
"envolve o reassentamento de comunidades inteiras, o inchaço de
cidades, o desflorestamento e a perda da diversidade biológica e
cultural, além de mudanças no regime hidrológico e a geração de
resíduos contaminantes do solo, da água e do ar". Mais: gera conflitos
com a população, como no entorno de Tucuruí, que "sofre ainda com
problemas de abastecimento de energia".

Sob esse ângulo, destaca o estudo a incapacidade dos municípios de
responder à nova demanda por saúde, educação e infraestruturas urbanas
- até porque os projetos que utilizam a energia são beneficiados pelas
isenções de impostos. Como destaca que não se leva em consideração que
"o alumínio responde pela emissão de perfluorcarbono, e que tem um
potencial de 6.500 a 9.000 vezes maior que o do dióxido de carbono". E
Belo Monte, conclui o estudo, significa o aumento da oferta de energia
para aquele setor, que induz "padrões intensivos de exploração de
recursos e serviços naturais, bem como contribui para o acirramento
das desigualdades sociais em escala local.

Parece claro que não há como ignorar tantas questões. É preciso
colocá-las na balança antes de licenciar a obra.

Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090925/not_imp440644,0.php

17 de set. de 2009

Jornalismo no divã da telona por Leonardo Leal

Explorando uma relação conturbada no mundo real, que é a do jornalista
com as fontes. O filme Intrigas de Estado (State of Play, EUA,
Inglaterra, 2009) analisa, por consequência, os dilemas e caminhos do
jornalismo no século XXI, que tem seguido a tendência de ser dominado
por corporações e, aumentado a perseguição pelo lucro em detrimento do
papel social. O diretor Kevin Macdonald (que já havia feito um
trabalho reflexivo com O Último Rei da Escócia) aborda aspectos
contemporâneos que estão mudando a forma de se fazer e de se comprar
notícias.

Russel Crowe, que faz o papel do jornalista Cal McAffrey, é
caracterizado como um jornalista veterano (outsider), que escreve
pouco e tem um custo alto para a empresa. Ele ao chegar à redação vê
uma placa sendo afixada embaixo do nome do jornal, que mostra a
aquisição do jornal pela 'MediaCorp' – um provável monopólio de
informações. O detalhe da cena é um dos aspectos que o filme vai
explorar durante o desenrolar, o domínio das corporações,
principalmente, a dos serviços de segurança, como a 'PointCorp'.

No longa metragem, a 'PointCorp' está sendo investigada por um
deputado americano, Ben Affleck no papel de Stephen Collins, que
desconfia das licitações do governo em relação a 14 diferentes
empresas de segurança, tanto dentro do país como nos serviços de apoio
ao exército americano no Iraque e Afeganistão. O deputado quer provar
que as empresas fazem parte de um único grupo que monopoliza os
serviços e têm forte influência política – semelhante à vida real, com
os tradicionais lobbies.

A atriz coadjuvante é a repórter iniciante Della Frye, interpretada
por Rachel McAdams, que atende aos objetivos do jornal, nas palavras
da editora Hellen Mirren (Cameron Lynne): escreve um artigo atrás do
outro; tem um custo baixo para o jornal e um blog no qual especula as
relações pessoais dos políticos.

Ao conversar com a editora, o veterano repórter se queixa do
computador antigo e diz que a edição impressa não vai muito bem, mas
que a versão online tem tido muito sucesso, mesmo que a Internet não
tenha conseguido adquirir credibilidade do impresso.

A história se desenvolve a partir da morte de uma funcionária do
congressista Collins que investigava a empresa de segurança e os
lobbies dela junto ao governo. Após a morte da secretária do deputado,
a mídia vai explorar a morte com o escândalo do envolvimento de
Collins com a funcionária. As lágrimas do deputado em frente às
câmeras servem como ponto de partida para as especulações midiáticas.

A hipótese inicial é que ela tenha cometido suícidio, porém McFrey e
Della Frye vão mais além do senso comum e passam a investigar outra
hipótese: Quem matou Sônia Baker? Na investigação o suspense se
desenvolve e revela uma cadeia de eventos relacionando políticos,
empresários e ex-militares.

A relação de amizade entre o jornalista e o deputado, que se
conheceram nos tempos da universidade é explorada no filme com a
questão: Até que ponto um amigo é inocente? Acreditando nesta
premissa, o repórter defende o congressista com ações questionáveis
por seus colegas e superiores da redação.

Além do dilema citado acima, o filme também propõe outros
questionamentos relevantes no qual o jornalismo é o ator principal.
Pode-se perceber uma pressão maior sobre repórteres e editores na
atualidade, provocada pelo surgimento da Internet e das inovações que
ela trouxe, como os blogs, o excesso de informação e a batalha para
informar o leitor a cada segundo.

A mistura de informação, interpretação, opinião e entretenimento é
abordada no filme. Provando que aquilo que pode ser bom para quem
escreve, muitas vezes se torna um labirinto para quem lê; obrigando o
leitor a confirmar informações e separar opiniões de notícias, sem ser
avisado.

Sutilmente, o longa questiona o caráter do jornalista ao apresentar
uma relação de amizade com toques de romance entre o repórter e a
mulher do deputado, Anne Collins, interpretado pela atriz Robin Wright
Penn. Em diversos momentos os amigos do repórter o questionam se as
perguntas que ele faz, não são do tipo que se faz para as fontes;
novamente se questiona a mistura entre amizade e relação profissional

Como uma história sempre leva a outra, e como um filme dedicado à arte
de informar não poderia deixar de fora, aquilo que é mais comum do que
parece: a virada de pauta ou, reviravolta no caso; e que muitas vezes
é um questionamento do próprio trabalho do repórter sobre a certeza
das informações que se apura, que às vezes leva a caminhos diferentes
do real.

O edifício Watergate faz referência ao famoso caso que derrubou o
presidente Nixon. Outras referências também vão levar à comparação com
Todos os homens do presidente. Principalmente quando os repórteres
McFrey e Della Frye vão em busca das fontes.

Intrigas de Estado se tornará um filme obrigatório nos cursos de
jornalismo. O motivo principal será mostrar que o que se aprende na
faculdade deverá ser complementado com o cotidiano e a experiência dos
'dinossauros' das redações. Também porque a ética é de fundamental
importância na profissão.

Embora os jornalistas não coloquem em risco a vida das pessoas, com
certeza as reputações estão em jogo, e há casos de pessoas que cometem
suicídio ao terem sua reputação abalada após a divulgação de uma
notícia.

Ele também vai demonstrar que, independente das adaptações a que são
obrigados os jornalistas, os princípios permanecem e dão credibilidade
ao jornalismo não importando o meio em que a mensagem é transmitida.
Como neste exemplo da tela grande.

11 de set. de 2009

A lógica do STF na questão da não exigência do diploma de jornalista por Yone de Carvalho Abelaira

Um dos argumentos dos ministros do STF para derrubar a obrigatoriedade
do diploma para o exercício do jornalismo foi de que tal exigência
fere a Constituição Federal no artigo que garante ao cidadão a
liberdade de expressão. Tal argumento é, no mínimo, pobre, se
considerarmos o fato de que nunca antes neste país, e nem em qualquer
outra parte do mundo, tantos produziram tanta informação. É
desnecessário lembrar a revolução que a Internet provocou na
quantidade, na velocidade, no conteúdo e na forma como a informação
passou a circular pelo planeta. Falar em falta de liberdade de
expressão na era de sites, blogs, fotologs, twitter, facebook e mais
não sei é querer tapar o sol com a peneira.

Seguindo no terreno do lugar comum, já que não adianta chorar pelo
leite derramado, proponho, então seguindo a lógica do STF, uma
revolução nos nossos costumes. Todos hão de concordar que se a
liberdade de expressão garantida na Constituição Federal, precisa ser
mantida à custa de assassinar uma carreira, podemos sugerir ao STF uma
ação que proponha extinguir a necessidade de carteira de habilitação
para o motorista, já que tal exigência fere o direito de ir e vir dos
cidadãos. Segundo a lógica dos ministros do Supremo, assim como
qualquer alfabetizado pode exercer a função de jornalista, o cidadão
que dirige bem e nunca foi multado está apto a exercer a função de
motorista, sem que seja necessário fazer uma prova de habilitação. Aí,
alguém pode argumentar: "mas ele não precisa ir de carro! Pode pegar
um ônibus, o metrô, ir de táxi". Mas, assim, ele estaria tolhido de
optar por dirigir o próprio veículo e isso fere sua liberdade de ir e
vir.

A exigência do diploma não proibia ninguém de se expressar, de tornar
públicas as suas ideias, ainda mais nos dias de hoje. O que ela
preservava era a qualidade da informação, era a formação e a ética no
ato profissional de informar. Haverá quem argumente que o diploma não
garante um bom profissional. Concordo. Cabe aos empresários julgar e
contratar aqueles que exercem o cargo com competência e ética. E isso
é válido para qualquer profissão. Existem médicos bons e ruins, todos
com diploma. O bom hospital só contrata os melhores. Bons e maus
advogados existem aos milhares. Os grandes escritórios só contratam os
eficientes. Há, também, juízes respeitáveis. E há os medíocres, os
vendidos aos interesses do grande empresariado. Acho que boa parte
desses acaba de enterrar uma profissão e milhares de sonhos.

Um bom conselho aos que estão cursando a faculdade de Comunicação
Social e que, até ontem, sonhavam em ser jornalistas é de que
abandonem a carreira e peçam transferência para o curso de Direito.
Quem sabe, no futuro, não consigam escrever para alguma coluna de
defesa do consumidor de algum jornal comunitário?

fonte: http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2009/06/18/a-logica-do-stf-na-questao-da-nao-exigencia-do-diploma-de-jornalista-756404486.asp

4 de set. de 2009

Gabeira escreve na folha sobre a pirotecnia do pré-sal

Você diz alô, eu digo adeus

No momento em que o governo faz uma grande festa pelo pré-sal, a
revista "Foreign Policy" publica um número sobre o longo adeus do
petróleo.
É tão grande o impacto festivo que um prefeito de Pernambuco
perguntou: já posso contar este mês com o dinheiro do pré-sal?
Ao governo interessa desinformar -para isso tem um grande aparato. Mas
é fundamental nesse confronto fortalecer algumas teses. A primeira
delas é de que o recurso do óleo deveria ser usado para nos
libertarmos dele.
Parece simples. No entanto, pesquisas indicam que um terço dos
royalties são gastos por algumas cidades para aumentar a máquina
administrativa. Isso quer dizer dar mais empregos e aumentar o poder
dos grupos políticos locais.
Fala-se em usar a Noruega como modelo econômico de exploração. Mas
nada se fala no modelo de proteção ecológica de lá.
O interessante é que o Estado não combinou com os russos, e o modelo
talvez não seja atrativo para empresas. A Petrobras cuida de quase
tudo, drenando imensos recursos que poderiam se voltar para a energia
renovável.
O importante é que houve uma grande festa. Alguns, como Sarney, saíram
de sua pirâmide para celebrar; outros, como Dilma, de resguardo contra
perguntas delicadas, reapareceram protegidos. Já havia legislação e
toda uma história do petróleo no país. Mas a pressa em festejar parece
maior que a de pesquisar e contabilizar os recursos para saber o que
fazer com eles.
A diferença entre Obama e Lula em energia está no ministro que
escolheram. Lá é um Prêmio Nobel de Física; aqui é o Lobão, que
prepara uma nova estatal, para a alegria de netos, filhos e amantes.
Fazer um fogo e distribuir espelhinhos foi tática do poder desde a
chegada dos portugueses.
Caramuru.

Censura para alguns, vale-tudo para outros por Washington Novaes

(fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090904/not_imp429373,0.php )

Quando faltavam três dias para completar um mês desde que um juiz de
Brasília impôs a inacreditável censura prévia a este jornal -
impedindo-o de cumprir sua missão de levar informações que deveriam
ser públicas à sociedade (que tem o direito de acesso a elas) -, o
Judiciário envolveu-se em mais um desses episódios que o tornam parte
decisiva da atual crise institucional do País. E o fez com uma
sentença do Supremo Tribunal Federal (STF) - por maioria escassa - que
retira mais um direito dos cidadãos, o do sigilo em suas contas
bancárias, e na prática dá a autoridades livre acesso a elas, que lhes
deveria ser vedado. E ainda com a diferença de entender que o único
culpado é o dirigente da instituição bancária que violou o sigilo; um
ministro (na época do incidente) e seu assessor de Comunicação, a quem
as informações sigilosas foram levadas, de nada têm culpa. Com isso o
ex-ministro não precisa ser processado e pode candidatar-se a altos
cargos públicos, embora ainda responda a uma dezena de processos por
improbidade administrativa.

Não é o primeiro imbróglio que leva o Judiciário à frente do palco
onde já se encontram o Legislativo e o Executivo. O primeiro, com
escândalo atrás de escândalo, tem 30 dos 81 senadores respondendo a
processos por crimes de natureza pública, ao lado de 165 deputados
federais processados pelas mesmas razões. O segundo, no jogo da
manutenção do poder, alia-se a inimigos que denunciava ontem, fecha os
olhos ao que for preciso. Mas tudo configura um quadro que leva a
temer rupturas indesejáveis, dado o horror que vai tomando conta de
boa parte da sociedade.

Censura à comunicação nos termos em que foi decretada por um juiz leva
a memória de volta aos tempos mais duros do regime militar, em que até
porteiros de Ministérios se davam ao desplante de, por telefone,
ordenar a órgãos de comunicação que não divulgassem este ou aquele
fato. Sem apelação. Ainda com muitos textos em seus arquivos, todos
simplesmente vedados por inteiro com um enorme X atravessando as
páginas, o autor destas linhas se lembra de um episódio muito
demonstrativo da prepotência, na época em que dirigia a redação do
Globo Repórter (da Rede Globo), na década de 70. Ali, os roteiros
finais e os programas gravados tinham de ser vistos e aprovados por
censores da Polícia Federal, que impunham cortes parciais ou totais,
sem nem sequer justificar a decisão. Foi assim com programas sobre as
invasões no Pontal do Paranapanema, sobre o desaparecimento de Sete
Quedas, sobre riscos da energia nuclear, sobre poluição em Salvador e
em rios que deságuam em sua baía, sobre a vida de um delinquente
juvenil - Wilsinho Galiléia - morto aos 17 anos pela polícia (programa
dirigido por João Batista Andrade).

Talvez o caso mais aberrante tenha sido o de um documentário adaptado
da TV inglesa e ali já exibido, sobre pigmeus africanos. A censora que
assistia à versão final determinou a este escriba que cortasse toda a
sequência mais bonita e emocionante, que documentava com muita
delicadeza o nascimento de um pigmeu, sua saída do ventre da mãe. E
ante a pergunta sobre as razões desse corte, limitou-se a censora a
responder: "Porque uma criança não pode ver isso, uma mulher nua dando
à luz." Ante o argumento de que as crianças do Rio de Janeiro (onde
estávamos) e de outros lugares viam todos os dias mulheres de biquíni
e "fio dental" nas praias, praticamente nuas, insistiu: "Mas é
imoral." Um terceiro argumento - "é inacreditável que a senhora,
mulher, considere imoral o momento mais bonito da vida das mulheres" -
de nada adiantou, a censora foi categórica: "Corta!" E cortada foi
toda a sequência.

Estaremos nos aproximando de tempos semelhantes, e não apenas por
causa de censura prévia à comunicação, de um lado, e liberalidade
inaceitável para poderosos? Que dizer do quadro da Justiça no País,
que a toda hora volta a ser objeto de noticiário, por causa de
episódios extremos?

Quando escreveu o capítulo A conquista dos direitos e o acesso à
Justiça para o Relatório do Desenvolvimento Humano no Brasil 1996 (do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o autor destas
linhas documentou na Justiça brasileira um quadro preocupante: 25% dos
cargos de juiz não preenchidos, processos acumulados às centenas de
milhares em todos os graus, a cidadania "em boa parte um atributo de
apenas uma parte da população; em amplas áreas a exclusão social não
permite sequer o reconhecimento dos direitos fundamentais, muito menos
o acesso à Justiça" (será que o caseiro Francenildo, que teve seu
sigilo bancário violado, aí se reconheceria?).

Seria outro o quadro hoje? O noticiário das últimas semanas informa
que há 45 milhões de processos à espera de julgamento na Justiça. Só
em 2008 deram entrada 70,1 milhões de ações novas; em 2007 haviam sido
67,7 milhões. E o estoque crescendo.

A garantia do reconhecimento dos direitos do cidadão inscritos na
Constituição é um dos pressupostos da democracia. Mas quando não pode
contar com a Justiça, a quem o cidadão recorrerá? À força, correndo
riscos? E se a isso se agrega a descrença nos outros Poderes da
República, como ocorre agora com parte dos cidadãos?

Teremos de repensar esse quadro institucional, inclusive para escrever
na Constituição que a informação é um bem da sociedade e o acesso a
ela, um pressuposto da democracia ("quem tem mais informação tem mais
poder", costuma-se dizer). A experiência da censura no período militar
mostrou à exaustão os males a que se submete a sociedade. Não podemos
chegar a outra situação terminal. Mas é fundamental que a sociedade
seja capaz de formular os caminhos reparadores. É preciso repetir e
repetir que apenas a "retórica da indignação" que presenciamos hoje,
sozinha, a nada leva. É decisivo fazer chegar ao mundo da política as
propostas da sociedade para mudar os nossos rumos.

Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Artigo publicado na pág. 2 do Jornal O Estado de SP

2 de set. de 2009

Science Facts

Deixai que os fatos sejam fatos naturalmente
Sem que sejam forjados para acontecer
Deixai que os olhos vejam os pequenos detalhes
Lentamente deixai que as coisas que lhe circundam
Estejam sempre inertes como móveis
Inofensivos para lhe servir quando for
Preciso e nunca lhe causar danos
Sejam eles morais físicos ou psicológicos
.
.
let the facts be facts naturally
without they be forged to happen
let our eyes to see the small details
slowly let things that surround you
be always mobile and harmless inert
to serve you when you need and never cause
physical, moral or psychological damages

Fonte: http://www.drliteratura.blogspot.com/