11 de dez. de 2008

Palavras de Aldir Blanc em Resposta ao tempo

Batidas na porta da frente

é o tempo

Eu bebo um pouquinho pra ter

argumento

Mas fico sem jeito, calado

ele ri

Ele zomba de quanto eu chorei

porque sabe passar

e eu não sei

 

Num dia azul de verão sinto vento

há folhas no meu coração é o tempo

recordo um amor que eu perdi

ele ri

Diz que somos iguais

se eu notei

pois não sabe ficar

e eu também não sei

 

E gira em volta de mim

sussurra que apaga os caminhos

que amores terminam no escuro

sozinhos

 

Respondo que ele aprisiona,

eu liberto

Que ele adormece as paixões

e eu desperto

E o tempo se vai com inveja

de mim

Me vigia querendo aprender

Como eu morro de amor

pra tentar reviver

 

No fundo é uma eterna criança

que não soube amadurecer

Eu posso, ele não vai poder

me esquecer

10 de dez. de 2008

acendedor de lampiões das estrelas

Como jornalismo é igual em qualquer lugar do mundo, bem vale a pena ler a definição da profissão pelo mestre Gay Talese. Conhecedor de todos os meandros do ofício, não se furta de contar as vantagens e desvantagens. Sem contar o parecer que no nosso ramo é mais importante do que o ser. Abaixo o trecho do livro 'O Reino e o Poder' disponível no site da editora que publica no Brasil.


Em sua maioria, os jornalistas são incansáveis voyeurs que vêem os defeitos do mundo, as imperfeições das pessoas e dos lugares. Uma cena sadia, que compõe boa parte da vida, ou a parte do planeta sem marcas de loucura não os atraem da mesma forma que tumultos e invasões, países em ruínas e navios a pique, banqueiros banidos para o Rio de Janeiro e monjas budistas em chamas - a tristeza é seu jogo, o espetáculo, sua paixão, a normalidade, sua nêmese.

Os jornalistas viajam em bandos, a tensão à flor da pele, e mal podem adivinhar em que medida essa presença tem o poder de desencadear um incidente, acender as pessoas. As entrevistas coletivas, com suas câmeras e microfones, se tornaram de tal forma parte integrante dos acontecimentos de nosso tempo que ninguém sabe mais se são as pessoas que fazem as notícias ou vice-versa: o general Ki, no Vietnã, sentindo-se sem dúvida mais poderoso depois de ser pela sexta vez matéria de capa de uma revista, desafia a China; a polícia de Nova York invadiu o quartel-general de alguns jovens delinqüentes e descobriu que os líderes da gangue mantinham livros de recortes da imprensa; em Baltimore, um dia depois de o Relatório Huntley-Brinkley mencionar que a cidade tinha sobrevivido ao verão sem nenhum episódio de tumulto racial, houve um desses episódios. Se a imprensa está ausente, políticos cancelam seus discursos, manifestantes em defesa dos direitos civis adiam suas marchas, alarmistas deixam de fazer suas previsões lúgubres. Os soldados que guardam o Muro de Berlim, amplamente ignorados desde que o Vietnã tomou seu lugar nas manchetes, observam, despreocupados, as garotas que passam.

Uma notícia não publicada não causa impacto. Poderia muito bem não ter acontecido. Assim, o jornalista é um aliado importante da ambição, é o acendedor de lampiões das estrelas. É convidado para festas, cortejado e cumprimentado, tem acesso a telefones que não constam da lista e a muitos estilos de vida. Pode mandar para os Estados Unidos uma matéria provocativa sobre pobreza na África, sobre distúrbios e ameaças tribais, e depois dar um mergulho na piscina do embaixador. Às vezes, o jornalista pode supor erroneamente que é seu charme, e não sua utilidade, que lhe rende esses privilégios; mas, em sua maioria, são homens realistas que não se deixam enganar pelo jogo. Eles o usam tanto quanto são usados. Ainda assim, são seres inquietos. Seu trabalho, publicado instantaneamente, é quase instantaneamente esquecido e o tempo todo eles precisam procurar algo novo, conservar o nome nas páginas dos jornais para não ser esquecidos, devem suprir o apetite insaciável dos jornais e das redes de televisão, a ânsia comercial por novos rostos, modas, modismos, rixas; não devem se preocupar quando as notícias parecem acontecer porque eles estão lá, nem devem pensar na possibilidade de que tudo que testemunharam e escreveram ao longo de suas vidas pode um dia ocupar apenas umas poucas linhas nos livros de texto do século XXI.

E assim, a cada dia, sem pensar na história, mas apenas no instante, jornalistas de todas as crenças e, qualidades registram de seu modo peculiar as notícias do mundo como eles as vêem, ouvem, e crêem compreender. Depois, boa parte delas é distribuída por todos os Estados Unidos, milhões de palavras por minuto, e milhares delas chegam a uma grande fábrica de fatos de catorze andares localizada na rua 43, perto da Broadway, o prédio do The New York Times, onde todo os dias úteis, às quatro horas da tarde - antes que estejam prontas para ser impressas, antes que possam influenciar o Departamento de Estado, deixar perplexo o presidente do país, irritar o produtor teatral David Merrick, abalar Wall Street e fazer cabeças rolarem no Congo -, são apresentadas pelos editores do Times, sentados em torno de uma mesa de conferências, ao diretor de redação Clifton
Daniel.
Trata-se de um homem de aparência muito interessante, mas difícil de descrever porque as palavras que de início o captam bem parecem totalmente inadequadas para qualquer homem. Mas a impressão persiste. Clifton Daniel é quase adorável. Seu rosto longo, pálido e suave, dominado por grandes olhos negros e cílios muito compridos, e seus cabelos grisalhos e ondeados, apuradamente penteados, dão a ele essa aparência. Seus ternos são bem talhados; suas mãos e unhas, imaculadas; sua voz, uma mistura suave e acetinada do sotaque da Carolina do Norte, onde nasceu numa pequenina cidade dedicada ao tabaco, e da Inglaterra, onde atingiu a maioridade como jornalista, namorou mulheres da moda e era chamado, às vezes, de xeque da Fleet Street.
 
Naqueles dias, durante e logo depois da Segunda Guerra Mundial, Londres era uma grande cidade para jovens jornalistas americanos. Havia um sentimento para objetivos comuns e de simpatia com os britânicos, um laço romântico criado durante os bombardeios e blecautes; a sociedade britânica era democrática em todos os níveis, e se um jornalista americano, em especial um solteiro de boa aparência, possuísse também, como Clifton Daniel, certa formalidade e reserva, certo charme discreto - modos conservadores que, no caso de Daniel, eram, em parte, conseqüência da timidez do rapaz nascido numa cidade sulista pequena -, então Londres podia ser uma cidade ainda mais sensível, como foi com Daniel.
 
Ele era requisitado por anfitriãs londrinas, era visto muitas vezes acompanhando mulheres distintas ao teatro e ao balé. Em geral, evitava os clubes masculinos e freqüentava as salas de visitas, onde, em companhia de Bea Lillie e Noel Coward, Margot Fonteyn e Clarissa Spencer-Churchill, que se casou mais tarde com Anthony Eden, podia ouvir as últimas fofocas da política e da sociedade, da mesma forma como fizera anos antes, quando trabalhara atrás do balcão da farmácia de seu pai em Zebulon, Carolina do Norte.
Hoje, é difícil imaginar Clifton Daniel, mesmo quando menino, numa farmácia. Sua elegância cool, o modo cortês com que conduz as questões empresariais do New York Times, a facilidade com que, sem nenhuma pretensão, rejeita uma boa garrafa de vinho no Oak Room, no Plaza, tudo sugere que se trata de um homem que cresceu num mundo de privilégios e poder. E é essa impressão, essa fachada que Daniel exibe, seus modos londrinos, o que a maioria de seus editores e subordinados no jornal vê. Eles raramente o encontram fora do trabalho, e assim o contato pessoal mais próximo ocorre na reunião da redação que se realiza em seu escritório todas as tardes, às quatro horas, e nem um segundo depois.