10 de abr. de 2007

O Caminho de San Giovanni

(Que a vida também fosse desperdício, isso minha mãe não admitia ­­– ou seja, que também fosse paixão. Por isso nunca saía do jardim etiquetado planta a planta, da casa forrada de buganvílias, do escritório, com o microscópio debaixo da redoma de vidro e os herbários. Sem incertezas, ordeira, transformava as paixões em deveres, e deles vivia.
Mas o que movia meu pai a cada manhã pelo caminho de San Giovanni acima – e a mim abaixo pelo meu caminho –, mais que o dever de proprietário laborioso, ou o desprendimento de inovador de métodos agrícolas – e o que movia a mim, mais que as definições daqueles deveres que aos poucos iria me impor --, era paixão feroz, dor de existir – o que mais podia nos impelir, ele a subir pragais e bosques, eu a me entranhar num labirinto de muros e papéis escritos? Confronto desesperado com o que resta fora de nós, desperdício de si em oposição ao desperdício geral do mundo.) Ítalo Calvino em O Caminho de San Giovanni -- pág. 76