11 de mar. de 2007

Um conto para começar


Inicio minhas postagens com um conto que escrevi no ano passado a partir de uma reportagem do Diário de SP. Para os amigos que ficaram entristecidos com a história, peço que vejam como uma motivação para olharmos mais para os problemas sociais. O papel do jornalismo é por as questões em debate. E, para terminar, na vida real o personagem não havia sido despejado
(Leonardo)

O dia em que a casa caiu, da árvore

Sete horas da manhã, o dia acabava de amanhecer. Ubirajara foi acordado pelas pedras jogadas na 'janela' de sua casa. Quando saiu para ver quem era se deparou com o encarregado da prefeitura que gritava:

"Saia já daí. Onde já se viu morar em árvore na cidade. Você não sabe que é proibido fazer casa em árvore? Ou tá querendo imitar João de Barro? Isso na cidade não pode".

Ubirajara ficou assustado. Sem nem ter tempo de coordenar os pensamentos direito. Aos poucos, tomava conta que sua casa seria derrubada. Desconhecia que fazer casa em árvores era proibido. Conhecia a história de alguns amigos que moravam num terreno. Um dia veio a polícia e a prefeitura, traziam escavadeiras e foram derrubando as casas. O que antes era abrigo, virou só madeira entulhada, depósito de tábuas. O povo teve que se virar. Iam sem destino incerto, levavam o que podiam.


Depois do susto, começou a descer da árvore, pensava numa forma de continuar com a casinha que construíra há alguns meses. Na casa, havia uma porta que deu bastante trabalho para fazer; juntou as vigas, aproveitou as folhas da árvore para o telhado. Numa marcenaria próxima arrumou umas folhas de madeira que fez as paredes. Era uma peça só, mas ele gostava daquela casinha. Vivia bem ali. Tinha até uma mesa pequena com alguns mantimentos.


Quando chegou no chão explicou para o encarregado que era descendente de índio, que havia morado na mata e se acostumara a dormir em árvore. E, na cidade, para não parecer diferente, resolveu fazer aquela casa de madeira. Disse até que combinava com a árvore.


Mas o funcionário da prefeitura não estava para conversa. "Se ele quisesse fazer casa em árvore teria que ter pedido autorização da prefeitura e pago as taxas para o requerimento". A ordem era para derrubar a casa. O secretário do meio ambiente havia lhe dito: 'se a moda pega vai faltar árvore para tantas casas'.


Ubirajara pensava consigo 'como vou pedir autorização se o que ganho com os bicos que faço mal dá para comprar o de comer'. Estava desolado, não tinha para onde ir depois que a casa caísse. Talvez aceitasse a ajuda de um amigo para comprar a passagem e voltar para a floresta. Mas, pensava ele, no mato já não tinha mais caça; e, as florestas diminuíam a cada dia.


Os peões já escalavam a árvore, levavam martelo, alicate e serrote; iam começar a demolição. O dono da casa não ofereceu resistência. Pediu apenas alguns minutos para juntar suas coisas e partir. Subiu de novo, olhou as paredes de sua casa pela última vez, não resistiu e, chorando colocou o que pode numa mochila, desceu da árvore e, assim como os outros moradores, iria partir sem destino. Talvez dormisse no albergue da prefeitura naquela noite.

Não quis ver os peões destruírem sua moradia que construíra com gosto. Após ter caminhado um pouco e já distante escutou a ameaça do encarregado. "Se construir de novo, da próxima vez que a gente vier, vamos derrubar a árvore".


Ubirajara seguia triste e começava a acreditar que o povo da cidade era mau, "já pensou derrubar uma árvore que servia de abrigo para os pássaros, dava frutos na primavera, trazia frescor no verão e ainda reduzia a poluição", dizia para si mesmo. Na sua caminhada sem destino, levava na mão um livro, na capa o desenho de uma árvore e um menino pendurado nos galhos. De longe dava para ver as letras do título: 'O barão nas árvores'.