Em competições esportivas, principalmente a atual, ouve-se falar, às vezes em espírito olímpico. Na prática ocorre uma exaltação ao vencedor, como um herói que cumpriu a missão a que estava submetido. Há quem diga que o esporte substitui a guerra, pois direciona nossos instintos e desejos para um objetivo menos bélico e mais, digamos, artístico.
A experiência que tenho de jogos esportivos é que certa vez, ainda menino, quando me aventurei pelo futebol num campo de várzea, tomei um jogo de corpo que me deixou desnorteado. Passei a pensar na deslealdade do jogo e dos jogadores aliada à minha pouca vontade de jogar bola, que foram suficientes para abandonar a carreira nada promissora.
Todavia descobri o Xadrez, este sim, uma guerra na prática, onde uma das maiores qualidades talvez seja a lealdade dos jogadores. Um lance fora do regulamento é facilmente percebido, qualquer tentativa de se desestabilizar o adversário fora do tabuleiro pode ser respondida com um simples silêncio, onde as palavras, no melhor sentido budista, ficam com quem as pronunciou.
Bom, é lógico que o xadrez faz pouco sucesso, além dos esforços de raciocínio, memorização e antecipação de jogadas, muitas vezes o jogo está decidido algum tempo antes do fim. Razão dos abandonos de partida.
Como não tenho o talento de começar um texto com o título. Mas, tentando, pegar o fio da meada. Vou citar Caetano e corrigir o traçado, no meio da corrida: Sejamos imperialistas!
As chances do Brasil, como tem se comprovado, no quadro de medalhas são remotas. A disputa, desta "guerra esportiva" se dá entre Estados Unidos e China. Com a vantagem, que o país do oriente está jogando em casa. O mesmo país que pretende mostrar que consegue aliar crescimento econômico com boas condições de vidas para os chineses. Ao menos os que participam das competições esportivas e lutam por um ideal.
Nesse caso preferiria torcer para o outro império que, queremos ou não, tem oferecido melhores condições à sociedade com contas pagas por outros países, mas isto é outra história.
Todavia a Rússia, com alguns esportistas consegue se interpor entre os dois impérios. E é aqui que entra o mote deste texto. A russa, destaque no salto com vara e uma mão nas costas competiu com a americana que se esforçou como nunca, e, perdeu.
A imagem que fica é a mulher correndo, o instante em câmera lenta, pode-se ouvir o coração da atleta, a vontade de ganhar em todos os esforços. Dos passos da corrida ao impulso do salto. No momento em que ela salta, a tv nos mostra os detalhes com perfeição, por um momento torcemos para que ela ganhe.
Mas, a contração do corpo a impede, ela derruba a barra. Da primeira vez, tem mais uma chance, se esforça ao máximo e, quando a gente acha que conseguirá, seu olhar expressa a busca da vitória. A barra, tinha a barra que mais uma vez, sem um pingo de sentimento, a derruba novamente.
Nesse momento a atleta vai do ponto mais alto de suas expectativas ao mais baixo da esperança. E é Provável que tenha uma noite de insônia, buscando por todos os caminhos, o momento que poderia ter feito a diferença.
Quando o atleta se encontra derrotado é que se percebe a fragilidade do espírito olímpico. Os esportistas estão lá para ganhar, o que vale, de fato, é a batalha. Mesmo que seja uma batalha perdida. Parece algo típico do ser humano.
Fernando Pessoa dizia que os conhecidos eram campeões em tudo e nunca havia conhecido alguém que tivesse levado porrada. No momento que a atleta perdeu, nós percebemos que ela não era uma semideusa, e como todos nós, uma mortal. Talvez em busca de uma imortalidade, de um feito para ficar na história.
O que importa de fato e talvez não se perceba, é que na derrota se aprende muito mais do que na vitória. Está aí a razão do poema. Sejamos humanos e deixemos os chineses com seus fogos de artifícios e a falsa impressão do que eles desejam ser, mas não esqueçamos que foram eles que invadiram o Tibet, torturaram e expulsaram os monges de um país teocrático. E vale perguntar: será que, na prática, não são os regimes políticos e econômicos o ópio do povo?
Poema em linha reta
By (Fernando Pessoa) Álvaro de Campos
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.