17 de dez. de 2007

Cenário de ficção científica no dia-a-dia

Leonardo Leal Martins

(Matéria publicada em A Tribuna, segunda-feira, 17 de dezembro de 2007)


Há exatos dez anos, o campeão mundial de xadrez Gary Kasparov enfrentou o 'Deep Blue', um supercomputador capaz de analisar 200 milhões de movimentos em um único segundo. A derrota do mestre russo foi tida por muitos como uma visão do futuro, onde as máquinas irão sobrepujar o cérebro humano.


Mas, na verdade, o que o Deep Blue fez foi 'apenas' analisar milhões de partidas arquivadas em seu cérebro eletrônico, compará-las com os lances feitos por Kasparov e optar por uma determinada resposta. O Deep Blue não raciocinou e nem teria como fazer isso.

Raciocínio é algo muito, mas muito mais complexo. Os computadores atuais não são capazes, por exemplo, de responder perguntas aparentemente simples.

É como aquela brincadeira de quem olha para a foto principal dessa página e pergunta se os copos estão meio cheios ou meio vazios. Para responder é preciso lidar com variáveis as quais os cérebros eletrônicos não são capazes. Ainda.

Elevador inteligente


Por isso, para que no futuro a tão sonhada empregada robótica possa saber se um bife está bem ou mal passado, será preciso dotá-la de Inteligência Artificial, um dos mais modernos ramos da pesquisa científica, na qual a Cidade de Santos é um dos principais pólos de desenvolvimento no País.

Trata-se do Grupo de Estudos em Lógica Paraconsistente Aplicada (GLPA — veja reportagem abaixo) da Universidade Santa Cecília (Unisanta). Atualmente, o GLPA reúne alunos e professores e desenvolve aplicações em áreas como a Engenharia, Medicina e Administração.

Há vários projetos em desenvolvimento. Um deles é um software que otimiza o funcionamento de um elevador. De acordo com a distância a percorrer entre os andares e o número de passageiros, o elevador que raciocina é capaz de aumentar ou reduzir a velocidade de acordo com as necessidades do momento.

O programa foi desenvolvido por Fernando Marques do Amaral e Milton Gomes de Oliveira Júnior, do curso de Engenharia Eletrônica, sob a orientação do professor João Inácio da Silva Filho, um dos coordenadores do GPLA.

Diagnósticos mais precisos


Já em parceria com a Eletropaulo, o grupo está desenvolvendo um software para controle das subestações de fornecimento de energia elétrica. Segundo o coordenador do curso de Engenharia Elétrica, Alexandre Rocco, ele é capaz de propor a melhor alternativa para o restabelecimento da energia no caso de 'apagões'.

A medicina é outra área onde a Lógica Paraconsistente pode trazer inúmeros benefícios aos seres humanos. Gilberto Holms, estudante de Engenharia da Computação, criou um software que antecipa os riscos do paciente sofrer de hipertensão e de doenças do coração.

Para isso, ele leva em consideração diversas variáveis, tais como pressão arterial, tabagismo ou sedentarismo entre outras, possibilitando um diagnóstico muito mais preciso. Sistema semelhante foi criado para a área da odontologia. Na prática, ele permite definir pelo melhor tratamento para a correção das irregularidades nos dentes.

Software 'anticalote'

As possibilidades da Lógica Paraconsistente são tantas que no futuro uso ela poderá definir se você será ou não capaz de pagar um empréstimo bancário. O software 'anticalote' foi desenvolvido pelos estudantes de Engenharia Eletrônica André Luis Gomes e Anderson Alves de Almeida. "O objetivo é facilitar a análise de crédito identificando as diversas possibilidades do cliente pagar ou não um empréstimo", declarou Gomes. Semelhante a um analista de finanças, o programa calcula as possibilidades de pagamento de cada cliente. Na análise são ponderados fatores como comprometimento de renda, responsabilidade do cliente, garantias de pagamento e possíveis restrições do cliente entre outras variáveis. O software analisa o grau de certeza e dúvida de cada item, com valores que oscilam entre zero e um. Dessa forma, o programa pondera se aprova ou não o empréstimo. Produtos como esse são de grande interesse não só para os bancos, como para toda a sociedade. Afinal, a taxa de juros também leva em conta o risco de calote. Na medida em que as análises são mais precisas, pelo menos em teoria, o perigo de inadimplência cai, o que facilita o acesso ao crédito.