(Matéria publicada no jornal Metrópole, edição de 3 a 9 de novembro de 2007)
Após morrer, o poeta Catulo da Paixão Cearense encontra São Pedro, conta seus pecados, defende a vida artística e fala de seu amor pela natureza na peça “Um boêmio no céu”. O espetáculo faz parte de um projeto de inclusão social, por meio do ensino de teatro para deficientes visuais, desenvolvido pelos atores voluntários Fátima Queiroz e Ivan Mativichuc, junto ao Instituto Braille de Santos.
Os personagens são representados por deficientes que também tocam violão e pandeiro. A peça, de autoria do poeta Catulo, e adaptada por Mativichuc, conta com nove integrantes, e intercala passagens da vida do compositor com episódios contemporâneos ligados à destruição do meio ambiente, guerras, escândalos políticos e corrupção.
Canções de festas juninas e do próprio autor também são apresentadas no espetáculo. Na peça, a morte de Catulo ocorre no dia de São Pedro. O poeta é recebido com um sermão ao chegar no céu festejando e alega que na Terra comemora-se o dia do santo.
Aprendizes - Vandernilson Nogueira Chaves, que tem quatro por cento de visão, faz o papel do poeta Catulo, numa interpretação natural, como se fizesse teatro há muito tempo. Ao estudar a peça, ouvir diversas vezes a gravação e repetir o texto, ele diz ter conseguido desenvolver as características do personagem. “Eu faço o que todos os atores deveriam fazer, procuro vivenciar o personagem da maneira mais intensa. O Catulo, como boêmio, é uma figura que me dá asas para eu extrapolar na peça”.
O aprendizado do teatro funciona para Chaves como uma terapia, uma forma de extravasar tensões e se divertir. “O teatro é uma forma de botar para fora. Há situações em que eu extrapolo e me libero no personagem”.
O anjo mensageiro é interpretado por Iracema Pessoa de Lima, que visita a Terra e, após quebrar a asa ao acompanhar as agruras do mundo, faz um relatório para entregar ao Criador, com uma crítica à sociedade. “Na terra, as artes estão morrendo aos poucos e os homens, sem Deus, estão ficando loucos”. Ela decora o texto pelo sistema braille.
O espetáculo conta ainda com o auxílio de “anjos videntes” que orientam o posicionamento dos atores durante a apresentação.
Projeto - De acordo com Mativichuc, o projeto começou como uma oficina de expressão corporal para melhorar a fala e trabalhar a parte física e mental. Ele explica que os deficientes visuais são introvertidos e, com o teatro, melhoram o relacionamento interpessoal, inclusive com a família. “Eles têm uma capacidade de improvisação muito boa. Ao se apresentarem no palco, decoram a quantidade de passos da cena. A gente aprende muito com eles”.
Para Fátima, diretora da peça, o teatro reúne elementos de várias artes, além de ensinar ritmo e música. “Os deficientes têm interesse em cultura, em uma boa peça, e, na maioria das vezes, ficam isolados em casa. Com o projeto, trazem a família e passam a interagir mais”.
Instituto - Trabalhar a parte cultural e social é um dos objetivos do Instituto Braille de Santos. A presidente da instituição, Ireni Souza de Oliveira, diz que “o teatro ensina por meio da vivência e da experiência. Os deficientes se expressam melhor e não sentem vergonha por falar o que pensam sobre as coisas”, conclui.
Nos cinco anos de existência o grupo já apresentou as peças: “Ensaio de Natal”, “Uma Família na Roça” e “A Linda, Meu Bem”.
Mais informações sobre o instituto e sobre a peça podem ser obtidas pelo telefone 3234-4815.