Não dá para separar o empresário do homem de cultura, ambos notáveis.
O nome de José Mindlin figurou em todas as listas de lideranças empresariais dos anos 70, 80 e primeira metade dos anos 90.
Mas nunca foi um líder convencional, desses que às vezes aplaudem e outras, discursam contra o governo e sua política econômica para ficar bem conceituado nos corredores da sede da Fiesp e candidatar-se depois aos favores de Brasília com os quais não contava, definitivamente.
Era visto com desconfiança pelos dirigentes do governo militar “porque falava russo” e porque convivia com intelectuais, sempre tão suspeitos.
Com aquela fala pausada, quase discreta, e sorriso tímido, avisava que o empresário não pode contar com favores dos governantes. Se a política do governo coincidir com os objetivos de sua empresa, então é justo tirar proveito dela. Mas empresário que é empresário não pode depender dos créditos oficiais. Tem de avançar com seus próprios meios.
Mais do que isso, tem de investir em si mesmo, tem de preparar-se para ser o administrador de seu negócio e depois dotá-lo com a melhor tecnologia disponível no momento.
Lamentava, sim, as agruras do custo Brasil, a excessiva carga tributária, os juros altos demais, a burocracia paralisante, a Justiça tão lenta e tão displicente na busca de solução para os conflitos que cercam o setor produtivo.
Mas considerava essas deficiências apenas problemas adicionais com que lidar e juntar energia para avançar, apesar de tudo.
Enquanto pôde, manteve a empresa que dirigiu, a Metal Leve, na ponta do setor de autopeças. Abriu seu capital no início dos anos 70, modernizou-a, dotou-a de tecnologia avançada, transformou-a em ilha de excelência, anteviu que seu futuro pedia mais do que simplesmente atendimento ao mercado interno e, por isso, investiu no projeto de internacionalização.
Um dia entendeu que tinha chegado a seu limite e que o processo de globalização exigia mais do que simplesmente arrojo e redução de custos. Exigia escala de produção ainda maior, mais contratos e mais conexões no mundo dos negócios. E que a falta de tudo isso derrubava decisivamente a qualidade da administração.
Isto posto, não ficou lamentando pelos cantos, como tantos no seu tempo. A despeito da oposição inicial dos seus sócios, decidiu passar o controle de sua empresa. Os entendimentos afunilaram para um dos seus concorrentes internacionais, a alemã Mahle. E assim foi feito.
No século 4º antes de Cristo, os sete sábios da Grécia de então foram convocados ao santuário de Delfos para sintetizar, em frases curtas, o ideal do pensamento grego. E eles apontaram duas: “conheça-te a ti mesmo” e “nunca passa do teu limite”.
Mindlin já havia mostrado antes que sabia conter-se. Mas foi no episódio do desembarque da Metal Leve que essa qualidade ficou conhecida. “Meu filho, não é fácil parar. Mas quem não para quando tem de parar, destrói-se a si próprio” – disse, naqueles dias. Quem tem a sabedoria de parar quando é preciso, também tem a sabedoria anterior, a de conhecer-se a si próprio, porque sabe dos seus limites.
Quando repassou a direção da Metal Leve em 1996, deixou também seu ofício de administrador de empresas. E dedicou-se definitivamente à Cultura, à sua biblioteca e às leituras. E aí, novamente, teve de enfrentar as limitações da vida.
Pouco depois de ter completado seus 80 anos, contava quanto inevitável foi ter de fazer novas escolhas. “Não posso ler mais do que dois ou três livros por mês, no máximo 36 por ano. E quantos anos mais terei pela frente? Uns 10? Isso significa que só posso ler mais 360 livros, talvez 400…”
Na condição de consagrado bibliófilo, José Mindlin foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2006. Paradoxalmente, ele nos deixa agora quando o livro passa pela revolução tecnológica mais importante depois da invenção da imprensa por Gutenberg, no século 15.
Sabe-se lá até que ponto engenhocas eletrônicas, como o Kindle da Amazon, vêm para ficar. Em todo o caso parece inevitável que o livro virtual ou aquilo que virá depois dele está fadado a transformar o próprio livro. Exigirá o redesenho de bibliotecas e livrarias e, eventualmente, mudará o conceito do que hoje é ser bibliófilo.
(Texto publicado no caderno Vida& do Estadão desta segunda-feira, 1º/03)
Fonte: http://blogs.estadao.com.br/celso-ming/2010/03/01/um-homem-que-sabia-das-limitacoes-da-vida/