De um lado, um jornalista experiente de um dos maiores jornais do mundo. Do outro, uma jovem blogueira responsável pelo braço on-line do jornal. No centro, um escândalo que envolve um promissor senador da república. Na tela, a crua diferença entre o jornalismo responsável e o jornalismo banal. Crua a ponto de você sentir saudades da época em que comentários eram cartas e audiência eram edições vendidas. Esse é um resumo de "Intrigas deEstado", que coloca Russel Crowe, Ben Affleck, Helen Mirren e Rachel McAdams num longa que tem gostinho de Oscar. De melhor filme.
A trama de "Intrigas de Estado" começa com dois crimes aparentemente sem relação. De um lado da cidade, um sem-teto é assassinado entre latas de lixo. Do outro, a assessora de um senador morre no metrô. Aos poucos, a investigação da imprensa liga esses dois crimes e aponta para uma grande conspiração envolvendo senadores, empresas e o Departamento de Defesa. Uma verdadeira bola de neve que desaba completamente na mesa dos dois jornalistas em questão.
A grande trama do filme, porém, é outra. Esta, muito mais burilada. O filme trata do fim do grande jornalismo com a chegada da internet. E vemos, ao longo de muitas reviravoltas de tirar o fôlego, a luta do personagem de Russel Crowe em não sucumbir à notícia fácil dos blogs e apurar a verdade até o fim. Até chegar ao supra-sumo da verdade.
Coincidência ou não, esta semana Gay Talese, grande nome do new journalism, deu uma entrevista à Veja em que fala um pouco sobre essa nova realidade da imprensa. Segundo ele, a internet tende a reduzir nossa visão de mundo ao responder diretamente nossas questões sem dar margem ao acaso. Não é um panorama a ser ignorado. E o filme trata dessa questão de uma forma muito inteligente: o que poderia ser apenas um crime sem importância, perdido entre as centenas de atualizações diárias de um portal jornalístico, acaba se revelando o furo jornalístico do ano. Tudo porque um profissional se empenha em fazer algo cada vez mais raro hoje em dia nas redações: apurar o fato.
O filme não puxa o lado pro jornalismo antigo, nem defende o jornalismo on-line. Apenas nos mostra uma realidade: na internet, não há grandes reportagens; ao passo que nos jornais impressos está cada vez mais difícil fazer esse tipo de trabalho. Uma fala da editora do jornal, interpretada grandiosamente por Helen Mirren, explica essa controvérsia: "Isso é uma notícia; o desmentido disso é outra notícia; a repercussão do desmentido é mais uma notícia; e tudo isso significa milhões de edições vendidas". Ao contrário do que se possa imaginar, Helen Mirren não interpreta uma vilã. É apenas uma editora desesperada por manter um negócio que não se mostra mais lucrativo. Uma dura realidade global.
"Intrigas de Estado" é muito mais que um filme de suspense e ação. Mas se você quer apenas um filme de suspense e ação, ele cumpre perfeitamente o papel. Tem seqüências de tirar o fôlego, reviravoltas impressionantes e um roteiro muito bem amarrado. Se depois do filme você quiser pensar um pouquinho, vai perceber que a cena inicial casa perfeitamente com a cena final. E o filme poderia se resumir a estas duas cenas: não fosse um jornalista que resolveu cumprir seu dever de apurar a verdade.
Fonte: http://colunas.digi.com.br/patricio/intrigas-de-estado-jornalismo-pra-que/.