29 de jan. de 2009

Provocações -- por Luís Fernando Veríssimo

A primeira provocação ele agüentou calado. Na verdade, gritou e
esperneou. Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em
maternidade, ajudados por especialistas. E não como ele, numa toca,
aparado só pelo chão.

A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do leite
da mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque não era disso.

Outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e
falta de atendimento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme. Era de
boa paz.

Foram lhe provocando por toda a vida.

Não pode ir a escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem,
gostava da roça. Mas aí lhe tiraram a roça.

Na cidade, para aonde teve que ir com a família, era provocação de
tudo que era lado. Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o
barraco, que estava onde não podia estar. Ir para um barraco pior.
Ficou firme.

Queria um emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu
uma submulher. Tiveram subfilhos. Subnutridos. Para conseguir ajuda,
só entrando em fila. E a ajuda não ajudava.

Estavam lhe provocando.

Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça.

Ouvira falar de uma tal reforma agrária. Não sabia bem o que era.
Parece que a idéia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra
provocação, era uma boa.

Terra era o que não faltava.

Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em
ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo
governo. Concluiu que era provocação. Mais uma.

Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo.
Para valer. Garantida. Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi
brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer
coisa. Só não estava mais disposto a aceitar provocação.

Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã.
Talvez no próximo ano... Então protestou.

Na décima milésima provocação, reagiu. E ouviu espantado, as pessoas
dizerem, horrorizadas com ele:

- Violência, não!