1 de fev. de 2010

Sobre o ofício do jornalismo

Diálogo entre Mercúcio Parla e o espírito do avô dele, Luís, na casa do Pajé¹

-- O que o levou a escolher o jornalismo?


-- O jornalismo tem encanto para quem o pratica com um mínimo de empenho: preserva a juventude. Sabe por quê? Porque um dia é igual ao outro e as personagens a serem relatadas são sempre as mesmas, embora mudem de nome. E os enredos se repetem à exaustão. A certa altura,vvocê acha que o tempo não passou e jamais passará, inclusive para você.

--Mas é ilusão -- interrompe Mercúcio. O avô ri:-- Esta, meu caro, é mera questão semântica.

-- Você não chegou a ficar velho?

-- Poderia ter morrido decrépito e seria a mesma coisa. Desde quando fugi de casa, aos quinze anos, porque mamãe, morto meu pai, se casara com um camarada insuportável, e me ofereci como contínuo do jornal da minha cidade, ficou claro que eu seria jovem para sempre...

--Queria falar daquilo que deu sentido à sua vida de jornalista, você lutou contra a ditadura, foi perseguido, perdeu o emprego...

-- Sim, algumas vezes achei que valia a pena ser jornalista, larguei o florete, com o qual desafiava os adversários da pena quando me considerava gravemente ultrajado -- na maioria dos casos, era um teatro, pode crer, atendia ao meu temperamento afogueado e, também, ao meu impulso para a diversão arriscada --, e passei a andar de pistola no bolso, um pequeno revólver com o gatilho retrátil. Recebia muitas ameaças e toda noite atravessava uma zona portuária ao voltar para casa, área escura, hirta de casarões, ensobrecem os becos que descem carregadando para o mar o vento vindo do próprio mar e rebatido pela crista dos nossos...Ah, veja como estas recordações me tornam falante, e estou com pressa, não posso perder o bonde...

Mercúcio queria perguntar a respeito do castelo, a visão da infância que há tempos nãos e repetia, e sem mais nem menos, o lustre inundou a sala com sua luz familiar. Lamentou ao esfregar os olhos ofuscados pela súbita claridade: -- Pajé, Pajé, foi rápido demais...

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1- Excerto do livro A sombra do Silêncio de Mino Carta - pág, 73