28 de jun. de 2007

Futebol e Literatura

( Quando os ídolos menosprezam a seleção vale lembrar o texto de Eduardo Galeano. As palavras do escritor faz recordar os dribles do Garrincha e suas peripécias. Um verdadeiro balé futebolístico.)


Em um belo dia a deusa dos ventos beija o pé do homem, o maltratado, desprezado pé, e desse beijo nasce o ídolo do futebol. Nasce em berço de palha e barraco de lata e vem ao mundo abraçado a uma bola.

Desde que aprende a andar, sabe jogar. Quando criança alegra os descampados e os baldios, joga e joga e joga nos ermos dos subúrbios até que a noite cai e ninguém mais consegue ver a bola, e quando jovem voa e faz voar nos estádios. Suas artes de malabarista convocam multidões, domingo após domingo, de vitória em vitória, de ovação em ovação.

A bola o procura, o reconhece, precisa dele. No peito de seu pé, ela descansa e se embala. Ele lhe dá brilho e a faz falar, e neste diálogo entre os dois, milhões de mudos conversam. Os Zé Ninguém, os condenados a serem para sempre ninguém, podem sentir-se alguém por um momento, por obra e graça desses passes devolvidos num toque, essas fintas que desenham os zês na grama, esses golaços de calcanhar ou de bicicleta: quando ele joga o time tem doze jogadores.

- Doze? Tem quinze! Vinte!

A bola ri,radiante, no ar. Ele a amortece, a adormece, diz galanteios, dança com ela, e vendo essas coisas nunca vistas, seus adoradores sentem piedade por seus netos ainda não nascidos, que não estão vendo o que acontece.

Mas o ídolo é ídolo apenas por um momento, humana eternidade, coisa de nada; e quando chega a hora do azar para o pé de ouro, a estrela conclui sua viagem do resplendor à escuridão. Esse corpo está com mais remendos que roupa de palhaço, o acrobata virou paralítico, o artista é uma besta:

- Com a ferradura, não!

A fonte da felicidade pública se transforma no pára-raios do rancor público:

- Múmia!

Às vezes, o ídolo não cai inteiro. E às vezes, quando se quebra, a multidão o devora aos pedaços.

(Eduardo Galeano, "Futebol, ao sol e à sombra")

25 de jun. de 2007

Copacabana que me desculpe

(Algumas impressões de um Rio de Janeiro, à época um pouco menos violento. Escrito em abril de 2002. A França só tinha ganho do Brasil uma vez e a violência já existia, mas era menos aparente...)

O dia amanhece. Eu ando nas areias da praia do Leblon, as ondas quebram no mar, mais a frente, uma mulher em trajes de banho caminha acompanhada de seu fiel cão. Apesar da beleza marítima, não se deve esquecer da segurança.

Copacabana que me desculpe, mas ver o dia nascer entre Leblon e Ipanema, tendo ao fundo a paisagem do Pão de Açúcar, é para francês nenhum botar defeito.

Passear pela capital fluminense num domingo de Abril, faz lembrar da música do Gilberto Gil, com abraços aos personagens sem esquecer da cidade que o cantor descreve com elogios.

Quando o sol já estava alto, vejo na famosa praia uma partida de futebol entre franceses e brasileiros, provando que no Rio o campeão é sempre o Brasil. A torcida estava composta por integrantes da bateria de alguma escola de samba e suas mulatas, sambando e sonhando com uma viagem pra fora.

Mais tarde, as ondas tentam derrubar os surfistas na praia do Arpoador. Eles, por sua vez, aproveitam-se das condições naturais para se exercitarem.

O pretexto para visitar a cidade foi a exposição “Utopia Gráfica”, que os camaradas tinham feito na União Soviética durante o período comunista, e, para minha surpresa, encontrei até campanha de cigarros, biscoitos, sabonetes.

Será que não era um capitalismo dentro do regime socialista? Na exposição podia se ver, além de cartazes de cinema, peças gráficas em formato grande com referências ao primeiro de maio, aos camponeses, e a união de todos os povos em um regime igualitário.

Ver esse conjunto de cultura, arte e beleza, faz a gente pensar na Joie de vivre. As cores azul e branco do jogador nos mostra que a liberdade e a paz entre os povos, embora difícil de ser alcançada pode ser vista num dia de domingo, no Rio de Janeiro.